Aquele instrumento musical fez a alegria do hospital nos 4 anos em que ele funcionou. Ficava no salão de visitas e, após o expediente, sempre havia alguém disposto a tocá-lo. Como a quase totalidade dos médicos, enfermeiros, enfermeiras e funcionários da administração residia no Sanatório, o local de reunião, após o jantar, era junto ao piano. Inúmeros cantores que se apresentaram no hospital tiveram acompanhamento pianística. Mário Pinheiro, o maior cantor do Brasil, no começo do século passado, Roque Ricciardi, o seresteiro da Pauliceia, Eduardo Neves e tantos outros. Nas noites de 6ª feira apresentavam-se no Sanatório os artistas da Vila Vieira do Piquete, Francisco Máximo, Gracioso Maziero e Bonfiglio de Oliveira. A plateia era sempre composta por médicos, enfermeiros, enfermeiras e pessoal da administração, uma vez que os pacientes, quase todos idosos preferiam os conjuntos de violeiros e sanfoneiros que vinham de Itajubá e cidades vizinhas.
Um dia em 1911 aquele magnifico hospital, um dos mais modernos do país, de sua época, fechou suas portas. Não conseguimos acreditar que o marechal Hermes da Fonseca, o presidente da República da época, permitiu que aquele crime se consumasse. Ele que, como Ministro da Guerra tanto se empenhou para a conclusão e inauguração do Sanatório, agora permitia a sua desativação. Será que ele não se lembrava de que centenas de soldados, que lutaram com ele no Paraguai, tinham no Sanatório o repouso merecido e o tratamento adequado para os males trazidos do campo de luta?
O piano alemão, afinado, de apenas 4 anos, agora estava mudo, coberto de poeira, em um canto do hospital novo, mas agora abandonado. Algum tempo depois, um comboio de carros de boi parou defronte o imponente prédio, para transportar o material hospitalar, para a estação ferroviária da Estrela, na Vila Vieira do Piquete. Meu pai fazia parte daquela comitiva. Quando ele viu o piano pronto para ser embarcado, todo empoeirado, sem embalagem protetora, seus olhos se encheram de lágrimas. Recordou o dia em que caminhara junto dele pelas ruas de nossa terra.
Aquele material foi desembarcado e ao seu lado uma placa dizia: “destinado à estação ferroviária de Itatiaia”. Meu pai contemplou, tristonho, aquele piano, pela última vez.